quarta-feira, 29 de maio de 2024

TRANSFERENCIA HORIZONTAL DE INSETICIDAS EM BLATELLA GERMANICA - PARTE I

 Sempre tive muita dificuldade de entender a chamada transferência horizontal de inseticidas entre baratas como um fator de combate.

 Este tal efeito dominó já foi muito prometido por diferentes empresas fabricantes de inseticidas afirmando que uma barata se intoxicando com determinada isca transferiria este ativo para outras baratas pelo efeito de necrofagia.

 Até que em uma conversa com colegas da plataforma Pragflix sobre este assunto onde um deles, o Bruno se não me falha a memória, me alertou de que este fenômeno acontece sim e me indicou um trabalho sobre o assunto.

 A partir deste vi que o fenômeno acontece sim, mas não desta forma que as empresas propagavam, o tal de efeito dominó onde uma barata comia a isca morria e depois outras baratas comiam esta e iam morrendo. 

Isto é marketing, que é a ciência que estuda o mercado, com objetivo de criar e entregar valor para satisfazer necessidades e/ou desejos de um mercado consumidor. Muitas vezes criando uma idéia errônea do fato em si, mas querendo vender tal produto.

Não é bem uma completa mentira, mas também não é uma completa verdade. É uma linha tênue entre estes dois.

Procurei outras publicações para entender melhor o assunto e selecionei três os quais apresento a vocês para entendermos melhor este mecanismo e como ele realmente acontece.

 

Proceedings of the Sixth International Conference on Urban Pests William H Robinson and Dániel Bajomi (editors), 2008 Printed by OOK-Press Kft., H-8200 Veszprém, Pápai út 37/a, Hungary

 Factors affecting secondary kill of the german cockroach (dictyoptera: blattellidae) by gel baits.

Changlu Wang,  X. Yang, M.A. El-Nour, and G.W. Bennett

 Center for Urban and Industrial Pest Management, Department of Entomology, Purdue University, West Lafayette, IN 47907 USA 2Guangxi Department of Forestry, Nanning, Guangxi 530022, China

 Os pesquisadores relatam a morte secundária de Blatella germanica como sendo um reforço aos métodos de combate, no entanto os estudos foram baseados em cepas de laboratório e ninfas iniciais.


Foram realizados testes com iscas em gel com baratas de laboratório e de campo usando Acetamiprida a 0,35%, Fipronil a 0,01%, Hidrametilona a 2,15% e Indoxacarbe a 0,6%.

 Todas as iscas exibiram morte secundária contra vários estágios de desenvolvimento de B. germanica.

 A morte secundária é a mortalidade de baratas não expostas ao veneno, que pode ocorrer através da alimentação de baratas envenenadas (canibalismo ou necrofagia), excreções produzidas por baratas envenenadas (coprofagia) ou secreções orais, anais e sexuais transmitidas por baratas envenenadas (emetofagia).


 Os níveis de mortalidade secundária diminuíram de 100% nos primeiros ínstares para 12,1% em adultos machos. A cepa de campo foi muito menos suscetível que a cepa de laboratório, com apenas 9,2-16,6% de mortalidade secundária entre o 3º e 4º ínstares.

 O acetamipride causou mortalidade secundária significativamente menor nos primeiros ínstares da cepa de laboratório do que fipronil, hidrametilona e indoxacarbe.

 Em experimento avaliando o total de mortalidade direta, ou seja, morte após a ingestão da isca em todos os estágios foi de: acetamiprida (40%), hidrametilona (74%) e indoxacarbe (98,5%).

 A eficácia de uma isca é determinada principalmente por:

1) palatabilidade da isca; e

2) toxicidade e não repelência do princípio ativo utilizado na isca (Reierson, 1995).

 Além disso, a capacidade de causar morte secundária é relatada como um fator que contribui para a eficácia geral de uma isca.

 Cabe lembrar que uma barata envenenada, como outros animais, tem como mecanismo de defesa aumentar a defecação, inclusive com diarreia e vômito para tentar excretar o máximo possível de veneno.

 São procedimentos de desenvolvimento de resistência que vão evoluindo até que elas consigam eliminar o máximo possível e assim não sofrerem o efeito de intoxicação.

 Resistência é a capacidade de alguns indivíduos da população do sinantrópico em sobreviver a doses do inseticida que seriam letais para a maioria dos indivíduos da população.

 A resistência é uma característica genética, no qual alguns indivíduos são dotados de mecanismos capazes de evitar ou impedir que os inseticidas atuem no processo de intoxicação, estes mecanismos são encontrados de forma espontânea na população de insetos e estão presentes, mesmo sem a exposição do inseto a qualquer componente domissanitário.

 Fato importante é que, sendo a resistência uma característica genética ela é transmitida de pais para filhos.

 Diversos fatores atuam em conjunto no mecanismo de resistência. Um deles é o kdr que seria resistência ao knockdown causado por modificação nos canais de Na impedindo a ação dos piretróides.

 Porque dizemos que o vômito, a diarreia são mecanismos de resistência?

 Porque são mecanismos que o sinantrópico tem por efeito mutagênico, e, portanto, passa de geração a geração, que o auxilia a não sofrer os efeitos de determinados inseticidas como estes citados e outros como alteração na cutícula, mecanismos defensores no sítio de atuação de determinado grupo químico e outros.

 Por esta razão é que morte secundária por coprofagia e emetofagia serão mais ou menos eficazes dependendo de a capacidade da barata eliminar o ativo através das fezes e vômitos.

 Ou seja, quanto mais ele vomitar e defecar maiores serão as probabilidades de outras baratas comerem mais inseticida pela coprofagia e emetofagia e menos por canibalismo. (grifos meus)

 Neste trabalho o principal mecanismo de transferência foi atribuído à coprofagia. A natureza de ação lenta da hidrametilona foi reconhecida como sendo importante por seu efeito em baratas não expostas. Hidrametilona exerceu seu maior efeito nos ínstares iniciais através da coprofagia.

 Os níveis de mortalidade secundária variaram de acordo com o ingrediente ativo e a formulação (Gahlhoff et al., 1999; Buczkowski and Schal, 2001b). As iscas de hidrametilona e fipronil foram mais eficazes do que abamectina.

 As formulações em gel resultaram em maior mortalidade secundária do que as formulações em pó ou iscas sólidas (Buczkowski and Schal, 2001b).

 Se comparou o efeito de morte secundária com iscas em gel contendo noviflumuron a 0,5% e hidrametilona a 2,15% contra os primeiros estágios de B. germânica (Smith et al, 2002).


Estas ninfas receberam comida de cachorro e fezes excretadas das baratas intoxicadas. Após 14 dias de exposição, fezes contendo noviflumuron e hidrametilona causaram 65 e 83% de mortalidade respectivamente.

 Ao contrário da hidrametilona, o indoxacarbe é um composto de ação muito rápida que causou, em laboratório, 100% de knockdown dentro de algumas horas a 24 após a ingestão da isca.

 Baratas intoxicadas com Indoxacarbe eliminaram uma excreção líquida anal 24h após a ingestão da isca e eram encontradas “coladas” no piso por esta excreção até a morte sendo que esta excreção causou mortalidade secundária significativa em baratas adultas.

 Apesar da morte secundária ter sido relatada por vários autores, sua importância relativa não é clara. 

Da mesma forma cepas de laboratório são mais susceptíveis a inseticidas que cepas de campo.

A cepa de campo ingere menos isca gel do que a cepa de laboratório pela grande oferta de alimento no campo.

Percebeu-se que baratas de laboratório tem uma ingestão de dieta única porque é só isto que tem e as de campo tem uma dieta mais variada pela diversidade alimentar existente. Por alguma razão ainda não explicada as baratas de laboratório ingerem isca gel mais facilmente que as de campo.

Neste trabalho se manteve as baratas de campo em dieta variada para manter as características de forrageamento delas no campo.

Se incluiu uma cepa de laboratório neste estudo para se detectar mudanças na morte secundária entre os estágios de desenvolvimento, porque a cepa de laboratório tem maior probabilidade de exibir mortalidade secundária por iscas do que as cepas de campo.

Neste experimento doadoras são as baratas que ingerem o gel e receptoras aquelas baratas que não tiveram contato com o gel se alimentando por necrofagia, coprofagia e/ou emetofagia.

Mortalidade primária ocorre nas baratas que morreram por ingerir a isca diretamente.

A mortalidade secundária é aquela que ocorre com as baratas que ingeriram o inseticida através da necrofagia, emetofagia ou coprofagia da barata que teve mortalidade primária e mortalidade terciária ocorre nas baratas que comeram o inseticida pelas mesmas formas de baratas que tiveram mortalidade secundária. (grifo meu)

Alguns doadores de indoxacarbe 0,6%, fipronil 0,01% e acetamiprida 0,35% apresentaram sintomas de envenenamento muito rápido e alta suscetibilidade a esses compostos que são de ação rápida.

O indoxacarbe ingerido foi translocado de forma mais eficaz quando os receptores interagiram com doadores sintomáticos recentes na ausência de alimentos alternativos. 

Hidrametilona é um composto de ação lenta. O acetamipride teve menor mortalidade secundária do que hidrametilona e indoxacarb por serem de ação rápida e portanto, acabam morrendo antes de eliminar fezes e vômitos e com isto diminuindo a ingestão destes excretas com inseticida uma vez que a necrofagia não é muito comum.



Baratas mortas há mais de cinco dias perdem sua palatabilidade da mesma forma que as fezes e excreção bucal.

A exposição a doadores envenenados, suas fezes e excreções causaram mortalidades secundárias detectáveis em todos os estágios de baratas de laboratório e de campo.



 


 A mortalidade cumulativa é um índice epidemiológico que representa o risco de morrer, por exemplo, por determinada causa. Divide-se a população morta num determinado período de tempo pela população total exposta durante o mesmo período de tempo a esta mesma causa.

 A mortalidade cumulativa é a probabilidade ou o risco de um indivíduo da população morrer durante um período específico (10 dias) sob uma causa específica (inseticidas).

 Assim a taxa de mortalidade cumulativa acima descrita é o total de mortes de uma dada população exposta a diferentes inseticidas avaliada após 10 dias.(grifo meu)

 A necrofagia (canibalismo) não foi o principal mecanismo envolvido nas mortalidades secundárias.

 O acetamipride causou morte secundária significativamente menor contra os primeiros ínstares de laboratório em comparação com fipronil, hidrametilona e indoxacarbe.

 A cepa de campo foi mais resistente à morte secundária do que a cepa de laboratório.

 Houve uma clara relação inversa entre o estágio de desenvolvimento da barata e a mortalidade secundária.

 O primeiro instar da linhagem de laboratório e de campo foram muito mais suscetíveis à morte secundária do que os de 3º e 4º ínstares. Os adultos tiveram as menores mortalidades secundárias.




 Quanto menor a ninfa maior é o efeito de mortalidade secundária pela relação de maior quantidade de ativo ingerido (coprofagia, emetofagia e/ou necrofagia) com base em seu peso corporal.

 Também é relatado que ninfas pequenas são mais propensas à coprofagia que as demais.

 Com base em estudos anteriores, a linhagem de campo consome menos isca do que a de laboratório (Wang et al., 2004).

 É muito possível que as baratas de campo tenham sido mais tolerantes aos compostos testados do que de laboratório devido a múltiplas aplicações de inseticidas em apartamentos onde as baratas da linhagem de campo foram coletadas.

 Isto pode querer dizer que o veneno já havia causado a morte de baratas susceptíveis permanecendo as resistentes e quem sabe este processo de resistência esteja exatamente na eliminação do ativo via fezes e oral.

 O nível mais baixo de morte direta por hidrametilona pode ser parcialmente devido à sua ação mais lenta, que pode requerer mais de 5 d para exibir todo o seu potencial contra populações mistas (campo e laboratório) de B. germanica.


 A mortalidade secundária em baratas de campo é menor que de laboratório pelas seguintes razões: ambiente mais complexo (mais esconderijos) do que as de laboratório, mais fontes alimentares, limpeza do ambiente (retirando fezes e baratas mortas), menor consumo de iscas e maior tolerância aos ativos.

 As condições das baratas envenenadas, suas fezes e excreções podem ser afetadas pelas condições ambientais e atividades humanas. A oportunidade de escolha de alimentos devido aos baixos níveis de saneamento reduz a probabilidade de as baratas se alimentarem das baratas mortas com iscas ou de suas excreções.

 Além disso, as baratas de campo podem não comer tanta isca quanto aquelas em condições de laboratório devido às fontes de alimentos geralmente mais diversas, o que dilui a concentração de ingrediente ativo encontrada em cadáveres, fezes ou excreções de doadores.




 Portanto, o papel da morte secundária pode ser muito menor do que o testado em condições de laboratório, especialmente quando a mortalidade primária é baixa. A aplicação de uma maior quantidade de isca é importante para fornecer acesso direto ao número máximo de baratas no ambiente.

 Serão necessários mais estudos adicionais sobre a relação entre o nível de mortalidade secundária e as proporções doador/receptor para ajudar a entender melhor o papel da morte secundária na eficácia geral das iscas para baratas.

 RESUMO (grifos meus)

 1.      Pesquisadores relatam a morte secundária de Blatella germanica como um reforço aos métodos de combate

 2.      Os estudos foram baseados em cepas de laboratório e pequenas ninfas.

 3.      Foram realizados testes com baratas de laboratório e de campo usando Acetamiprid a 0,35%, Fipronil a 0,01%, Hidrametilona a 2,15% e Indoxacarb a 0,6%.

 4.      Todas as iscas exibiram morte secundária contra vários estágios

 5.      Os níveis de mortalidade secundária diminuíram de 100% nos primeiros ínstares para 12,1% em adultos machos.

 6.      O acetamipride causou mortalidade secundária significativamente menor.

 7.      A mortalidade direta foi maior com indoxacarb por ser de ação rápida.

 8.      Inseticidas de ação lenta (hidrametilona) causam mais transferência horizontal que de ação rápida.

 9.      Formulações em gel causaram maior mortalidade secundária que em pó ou sólidas.

 10.  Após 14 dias de exposição, fezes contendo noviflumuron e hidrametilona causaram 65 e 83% de mortalidade respectivamente.

 11.  O indoxacarb é de ação rápida causando, em laboratório, 100% de knockdown dentro de algumas horas a 24 após a ingestão da isca.

 12.  Cepas de laboratório são mais susceptíveis que cepas de campo.

 13.  A cepa de campo ingere menos isca gel do que a cepa de laboratório porque tem outras fontes alimentares.

 14.  Neste trabalho doadoras são as baratas que consumiram a isca em gel e receptoras as que ingeriram a isca de forma indireta por necrofagia, coprofagia e emetofagia.

 15.  O acetamipride teve menor mortalidade secundária do que hidrametilnon e indoxacarb por serem de ação rápida e acabam morrendo antes de eliminar fezes e vômitos diminuindo a ingestão destas excretas com inseticida.

 16.  Baratas mortas há mais de cinco dias perdem sua palatabilidade da mesma forma que as fezes e excreção bucal.

 17.  A necrofagia (canibalismo) não foi o principal causador de mortalidade secundária.

 18.  O primeiro ínstar da linhagem de laboratório e de campo foram muito mais suscetíveis à morte secundária do que os de 3º e 4º ínstares.

 19.  Adultos de campo e laboratório tiveram as menores mortalidades secundárias.

 20.  Quanto menor o estágio ninfal mais propensão à coprofagia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Reierson, D.A. 1995. Baits for German cockroach control. pp. 231-265. In: Rust, M.K., Owens, J.M. and Reierson, D.A. eds. Understanding and Controlling the German Cockroach, Oxford University Press. New York, NY.

 Gahlhoff, J.E. and col. 1999. Secondary kill of adult male German cockroaches (Dictyoptera: Blattellidae) via cannibalism of nymphs fed toxic baits. J. Econ. Entomol. 92:1133-1137.

 Buczkowski, G. and Schal, C. 2001b. Transfer of ingested insecticides among cockroaches: effects of active ingredient, bait formulation, and assay procedures. J. Econ. Entomol. 94: 1229 – 1236.

 Wang, C. and col. 2004. Behavioral and physiological resistance of the German cockroach to gel baits (Dictyoptera: Blattellidae). J. Econ. Entomol. 97: 2067-2072.

 Smith, M.S. and col. 2002. Noviflumuron activity in household and structural insect pests. In Jones S.C., Zhai, J. and Robinson, 

W.H. eds. Proceedings of the 4th International Conference on Urban Pests, Pocahontas Press, Inc., Blacksburg, VA, pp. 345-353.