Sempre
tive muita dificuldade de entender a chamada transferência horizontal de
inseticidas entre baratas como um fator de combate.
Este
tal efeito dominó já foi muito prometido por diferentes empresas fabricantes de
inseticidas afirmando que uma barata se intoxicando com determinada isca
transferiria este ativo para outras baratas pelo efeito de necrofagia.
Até
que em uma conversa com colegas da plataforma Pragflix sobre este assunto onde um
deles, o Bruno se não me falha a memória, me alertou de que este fenômeno
acontece sim e me indicou um trabalho sobre o assunto.
A partir deste vi
que o fenômeno acontece sim, mas não desta forma que as empresas propagavam, o
tal de efeito dominó onde uma barata comia a isca morria e depois outras
baratas comiam esta e iam morrendo.
Isto é marketing, que é a ciência que estuda o mercado, com
objetivo de criar e entregar valor para satisfazer necessidades e/ou desejos de
um mercado consumidor. Muitas vezes criando uma idéia errônea do fato em
si, mas querendo vender tal produto.
Não é bem uma completa
mentira, mas também não é uma completa verdade. É uma linha tênue entre estes
dois.
Procurei
outras publicações para entender melhor o assunto e selecionei três os quais
apresento a vocês para entendermos melhor este mecanismo e como ele realmente
acontece.
Proceedings of the
Sixth International Conference on Urban Pests William H Robinson and Dániel
Bajomi (editors), 2008 Printed by OOK-Press Kft., H-8200 Veszprém, Pápai út
37/a, Hungary
Factors
affecting secondary kill of the german cockroach (dictyoptera: blattellidae) by
gel baits.
Changlu Wang, X. Yang, M.A. El-Nour, and G.W. Bennett
Center for Urban and
Industrial Pest Management, Department of Entomology, Purdue University, West
Lafayette, IN 47907 USA 2Guangxi Department of Forestry, Nanning, Guangxi
530022, China
Os
pesquisadores relatam a morte secundária de Blatella germanica como
sendo um reforço aos métodos de combate, no entanto os estudos foram baseados
em cepas de laboratório e ninfas iniciais.
Foram
realizados testes com iscas em gel com baratas de laboratório e de campo usando
Acetamiprida a 0,35%, Fipronil a 0,01%, Hidrametilona a 2,15% e Indoxacarbe a
0,6%.
Todas as iscas exibiram morte secundária contra vários
estágios de desenvolvimento de B. germanica.
A morte secundária é a mortalidade de baratas não
expostas ao veneno, que pode ocorrer através da alimentação de baratas
envenenadas (canibalismo ou necrofagia), excreções produzidas por baratas
envenenadas (coprofagia) ou secreções orais, anais e sexuais transmitidas por
baratas envenenadas (emetofagia).
Os níveis de mortalidade secundária diminuíram de 100%
nos primeiros ínstares para 12,1% em adultos machos. A cepa de campo foi muito
menos suscetível que a cepa de laboratório, com apenas 9,2-16,6% de mortalidade
secundária entre o 3º e 4º ínstares.
O acetamipride causou mortalidade secundária
significativamente menor nos primeiros ínstares da cepa de laboratório do que
fipronil, hidrametilona e indoxacarbe.
Em
experimento avaliando o total de mortalidade direta, ou seja, morte após a
ingestão da isca em todos os estágios foi de: acetamiprida (40%), hidrametilona
(74%) e indoxacarbe (98,5%).
A eficácia de uma isca é
determinada principalmente por:
1) palatabilidade da isca;
e
2) toxicidade e não
repelência do princípio ativo utilizado na isca (Reierson, 1995).
Além disso, a capacidade
de causar morte secundária é relatada como um fator que contribui para a
eficácia geral de uma isca.
Cabe lembrar que uma
barata envenenada, como outros animais, tem como mecanismo de defesa aumentar a
defecação, inclusive com diarreia e vômito para tentar excretar o máximo
possível de veneno.
São procedimentos de
desenvolvimento de resistência que vão evoluindo até que elas consigam eliminar
o máximo possível e assim não sofrerem o efeito de intoxicação.
Resistência é a
capacidade de alguns indivíduos da população do sinantrópico em sobreviver a
doses do inseticida que seriam letais para a maioria dos indivíduos da
população.
A resistência é uma
característica genética, no qual alguns indivíduos são dotados de mecanismos
capazes de evitar ou impedir que os inseticidas atuem no processo de
intoxicação, estes mecanismos são encontrados de forma espontânea na população
de insetos e estão presentes, mesmo sem a exposição do inseto a qualquer
componente domissanitário.
Fato importante é que,
sendo a resistência uma característica genética ela é transmitida de pais
para filhos.
Diversos fatores atuam
em conjunto no mecanismo de resistência. Um deles é o kdr que seria resistência
ao knockdown causado por modificação nos canais de Na impedindo a ação dos
piretróides.
Porque dizemos que o
vômito, a diarreia são mecanismos de resistência?
Porque são mecanismos
que o sinantrópico tem por efeito mutagênico, e, portanto, passa de geração a
geração, que o auxilia a não sofrer os efeitos de determinados inseticidas como
estes citados e outros como alteração na cutícula, mecanismos defensores no
sítio de atuação de determinado grupo químico e outros.
Por esta razão é que
morte secundária por coprofagia e emetofagia serão mais ou menos eficazes
dependendo de a capacidade da barata eliminar o ativo através das fezes e
vômitos.
Ou seja, quanto mais
ele vomitar e defecar maiores serão as probabilidades de outras baratas comerem
mais inseticida pela coprofagia e emetofagia e menos por canibalismo. (grifos meus)
Neste
trabalho o principal mecanismo de transferência foi atribuído à coprofagia. A
natureza de ação lenta da hidrametilona foi reconhecida como sendo importante
por seu efeito em baratas não expostas. Hidrametilona exerceu seu maior efeito
nos ínstares iniciais através da coprofagia.
Os
níveis de mortalidade secundária variaram de acordo com o ingrediente ativo e a
formulação (Gahlhoff et al., 1999; Buczkowski and Schal, 2001b). As iscas de hidrametilona
e fipronil foram mais eficazes do que abamectina.
As
formulações em gel resultaram em maior mortalidade secundária do que as
formulações em pó ou iscas sólidas (Buczkowski and Schal,
2001b).
Se comparou o efeito de
morte secundária com iscas em gel contendo noviflumuron a 0,5% e hidrametilona
a 2,15% contra os primeiros estágios de B. germânica (Smith
et al, 2002).
Estas
ninfas receberam comida de cachorro e fezes excretadas das baratas intoxicadas. Após 14 dias de exposição, fezes contendo
noviflumuron e hidrametilona causaram 65 e 83% de mortalidade respectivamente.
Ao contrário da hidrametilona, o indoxacarbe é um
composto de ação muito rápida que causou, em laboratório, 100% de knockdown
dentro de algumas horas a 24 após a ingestão da isca.
Baratas intoxicadas com
Indoxacarbe eliminaram uma excreção líquida anal 24h após a ingestão da isca e
eram encontradas “coladas” no piso por esta excreção até a morte sendo que esta
excreção causou mortalidade secundária significativa em baratas adultas.
Apesar da morte secundária
ter sido relatada por vários autores, sua importância relativa não é clara.
Da mesma forma cepas de laboratório são mais susceptíveis
a inseticidas que cepas de campo.
A cepa de campo ingere menos isca gel do que a cepa de
laboratório pela grande oferta de alimento no campo.
Percebeu-se que baratas de laboratório tem uma
ingestão de dieta única porque é só isto que tem e as de campo tem uma dieta
mais variada pela diversidade alimentar existente. Por alguma razão ainda não
explicada as baratas de laboratório ingerem isca gel mais facilmente que as de
campo.
Neste trabalho se manteve
as baratas de campo em dieta variada para manter as características de
forrageamento delas no campo.
Se incluiu uma cepa de
laboratório neste estudo para se detectar mudanças na morte secundária entre os
estágios de desenvolvimento, porque a cepa de laboratório tem maior
probabilidade de exibir mortalidade secundária por iscas do que as cepas de
campo.
Neste experimento doadoras
são as baratas que ingerem o gel e receptoras aquelas baratas que não tiveram
contato com o gel se alimentando por necrofagia, coprofagia e/ou emetofagia.
Mortalidade primária
ocorre nas baratas que morreram por ingerir a isca diretamente.
A mortalidade
secundária é aquela que ocorre com as baratas que ingeriram o inseticida
através da necrofagia, emetofagia ou coprofagia da barata que teve mortalidade
primária e mortalidade terciária ocorre nas baratas que comeram o inseticida
pelas mesmas formas de baratas que tiveram mortalidade secundária. (grifo meu)
Alguns doadores de
indoxacarbe 0,6%, fipronil 0,01% e acetamiprida 0,35% apresentaram sintomas de
envenenamento muito rápido e alta suscetibilidade a esses compostos que são de
ação rápida.
O indoxacarbe ingerido foi
translocado de forma mais eficaz quando os receptores interagiram com doadores
sintomáticos recentes na ausência de alimentos alternativos.
Hidrametilona é um
composto de ação lenta. O acetamipride teve menor mortalidade secundária do que
hidrametilona e indoxacarb por serem de ação rápida e portanto, acabam morrendo
antes de eliminar fezes e vômitos e com isto diminuindo a ingestão destes
excretas com inseticida uma vez que a necrofagia não é muito comum.
Baratas mortas há mais de
cinco dias perdem sua palatabilidade da mesma forma que as fezes e excreção
bucal.
A exposição a doadores
envenenados, suas fezes e excreções causaram mortalidades secundárias
detectáveis em todos os estágios de baratas de laboratório e de campo.
A mortalidade
cumulativa é um índice epidemiológico que representa o risco de morrer, por
exemplo, por determinada causa. Divide-se a população morta num determinado
período de tempo pela população total exposta durante o mesmo período de tempo a
esta mesma causa.
A mortalidade
cumulativa é a probabilidade ou o risco de um indivíduo da população morrer
durante um período específico (10 dias) sob uma causa específica (inseticidas).
Assim a taxa de
mortalidade cumulativa acima descrita é o total de mortes de uma dada população
exposta a diferentes inseticidas avaliada após 10 dias.(grifo meu)
A necrofagia (canibalismo)
não foi o principal mecanismo envolvido nas mortalidades secundárias.
O acetamipride causou
morte secundária significativamente menor contra os primeiros ínstares de
laboratório em comparação com fipronil, hidrametilona e indoxacarbe.
A cepa de campo foi mais
resistente à morte secundária do que a cepa de laboratório.
Houve uma clara relação
inversa entre o estágio de desenvolvimento da barata e a mortalidade
secundária.
O primeiro instar da
linhagem de laboratório e de campo foram muito mais suscetíveis à morte
secundária do que os de 3º e 4º ínstares. Os adultos tiveram as menores
mortalidades secundárias.
Quanto menor a ninfa maior
é o efeito de mortalidade secundária pela relação de maior quantidade de ativo
ingerido (coprofagia, emetofagia e/ou necrofagia) com base em seu peso
corporal.
Também é relatado que
ninfas pequenas são mais propensas à coprofagia que as demais.
Com base em estudos
anteriores, a linhagem de campo consome menos isca do que a de laboratório (Wang
et al., 2004).
É muito possível que as
baratas de campo tenham sido mais tolerantes aos compostos testados do que de
laboratório devido a múltiplas aplicações de inseticidas em apartamentos onde
as baratas da linhagem de campo foram coletadas.
Isto pode querer dizer que
o veneno já havia causado a morte de baratas susceptíveis permanecendo as
resistentes e quem sabe este processo de resistência esteja exatamente na
eliminação do ativo via fezes e oral.
O nível mais baixo de
morte direta por hidrametilona pode ser parcialmente devido à sua ação mais
lenta, que pode requerer mais de 5 d para exibir todo o seu potencial contra
populações mistas (campo e laboratório) de B. germanica.
A mortalidade secundária
em baratas de campo é menor que de laboratório pelas seguintes razões: ambiente
mais complexo (mais esconderijos) do que as de laboratório, mais fontes
alimentares, limpeza do ambiente (retirando fezes e baratas mortas), menor
consumo de iscas e maior tolerância aos ativos.
As condições das baratas
envenenadas, suas fezes e excreções podem ser afetadas pelas condições
ambientais e atividades humanas. A oportunidade de escolha de alimentos devido
aos baixos níveis de saneamento reduz a probabilidade de as baratas se alimentarem
das baratas mortas com iscas ou de suas excreções.
Além disso, as baratas de
campo podem não comer tanta isca quanto aquelas em condições de laboratório
devido às fontes de alimentos geralmente mais diversas, o que dilui a
concentração de ingrediente ativo encontrada em cadáveres, fezes ou excreções
de doadores.
Portanto, o papel da morte
secundária pode ser muito menor do que o testado em condições de laboratório,
especialmente quando a mortalidade primária é baixa. A aplicação de uma maior
quantidade de isca é importante para fornecer acesso direto ao número máximo de
baratas no ambiente.
Serão necessários mais
estudos adicionais sobre a relação entre o nível de mortalidade secundária e as
proporções doador/receptor para ajudar a entender melhor o papel da morte
secundária na eficácia geral das iscas para baratas.
RESUMO (grifos meus)
1.
Pesquisadores
relatam a morte secundária de Blatella germanica como um reforço aos métodos de
combate
2.
Os estudos
foram baseados em cepas de laboratório e pequenas ninfas.
3.
Foram
realizados testes com baratas de laboratório e de campo usando Acetamiprid a
0,35%, Fipronil a 0,01%, Hidrametilona a 2,15% e Indoxacarb a 0,6%.
4.
Todas as
iscas exibiram morte secundária contra vários estágios
5.
Os níveis
de mortalidade secundária diminuíram de 100% nos primeiros ínstares para 12,1%
em adultos machos.
6.
O
acetamipride causou mortalidade secundária significativamente menor.
7.
A
mortalidade direta foi maior com indoxacarb por ser de ação rápida.
8.
Inseticidas
de ação lenta (hidrametilona) causam mais transferência horizontal que de ação
rápida.
9.
Formulações
em gel causaram maior mortalidade secundária que em pó ou sólidas.
10. Após 14 dias de exposição, fezes contendo noviflumuron
e hidrametilona causaram 65 e 83% de mortalidade respectivamente.
11. O indoxacarb é de ação rápida causando, em
laboratório, 100% de knockdown dentro de algumas horas a 24 após a ingestão da
isca.
12. Cepas de laboratório são mais susceptíveis que cepas
de campo.
13. A cepa de campo ingere menos isca gel do que a cepa de
laboratório porque tem outras fontes alimentares.
14. Neste trabalho doadoras são as baratas que consumiram
a isca em gel e receptoras as que ingeriram a isca de forma indireta por
necrofagia, coprofagia e emetofagia.
15. O acetamipride teve menor mortalidade secundária do
que hidrametilnon e indoxacarb por serem de ação rápida e acabam morrendo antes
de eliminar fezes e vômitos diminuindo a ingestão destas excretas com
inseticida.
16. Baratas mortas há mais de cinco dias perdem sua
palatabilidade da mesma forma que as fezes e excreção bucal.
17. A necrofagia (canibalismo) não foi o principal causador
de mortalidade secundária.
18. O primeiro ínstar da linhagem de laboratório e de
campo foram muito mais suscetíveis à morte secundária do que os de 3º e 4º
ínstares.
19. Adultos de campo e laboratório tiveram as menores
mortalidades secundárias.
20. Quanto menor o estágio ninfal mais propensão à
coprofagia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Reierson, D.A. 1995. Baits for German cockroach control. pp. 231-265. In: Rust, M.K.,
Owens, J.M. and Reierson, D.A. eds. Understanding and Controlling the German
Cockroach, Oxford University Press. New York, NY.
Gahlhoff, J.E. and col. 1999. Secondary
kill of adult male German cockroaches (Dictyoptera: Blattellidae) via
cannibalism of nymphs fed toxic baits. J. Econ. Entomol. 92:1133-1137.
Buczkowski, G. and Schal,
C. 2001b. Transfer of ingested insecticides
among cockroaches: effects of active ingredient, bait formulation, and assay
procedures. J. Econ. Entomol. 94: 1229 – 1236.
Wang, C. and col. 2004. Behavioral and
physiological resistance of the German cockroach to gel baits (Dictyoptera:
Blattellidae). J. Econ. Entomol. 97: 2067-2072.
Smith, M.S. and col. 2002. Noviflumuron
activity in household and structural insect pests. In Jones S.C., Zhai, J.
and Robinson,
W.H. eds. Proceedings of the 4th International
Conference on Urban Pests, Pocahontas Press, Inc., Blacksburg, VA, pp.
345-353.