sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

GERENCIAMENTO DE ESCORPIÕES

INTRODUÇÃO 

Vamos começar nossa conversa discutindo o que é e para que serve um documento oficial.

Um documento é qualquer registro de informação independentemente do formato ou suporte utilizado para registrá-las. É uma declaração escrita que tem caráter comprovativo.

Existe uma variedade e tipos de documentos espalhados por todo o mundo, cada qual com sua função e objetivo. Eles podem atestar, informar, solicitar, declarar, identificar, estabelecer uma relação de direito, executar e dentre outras.

Quando um ato, por exemplo um documento informativo, é executado pelo governo ou por uma autoridade administrativa reconhecida diz-se que é oficial, ou seja, ele é emanado de autoridade pública ou de autoridade competente.

Oficial é aquilo que é oficial. Usado para referir-se a algo que conta com o aval e o reconhecimento do Estado ou de algum órgão ou organização que tem o poder de autorizar, conforme com as formalidades legais.

Em 2009, o Ministério da Saúde publicou o Manual de Controle de escorpiões que, segundo o Secretário Nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, os serviços de saúde carecem de material instrucional que estabeleça normas e procedimentos para o manejo correto desses animais.



O público-alvo deste manual são os profissionais da saúde que atuam em serviços municipais e estaduais de vigilância em saúde e controle de animais peçonhentos.

Assim, este documento oficial de caráter informativo é uma norma, ou seja, estabelece as regras mínimas e aceitáveis a serem cumpridas para se atingir o objetivo proposto e também descreve a forma como se deve executar as atividades necessárias para se atingir este objetivo, ou seja os procedimentos.

Desta forma ele passa a ser a referência nacional para o combate aos escorpiões para todos aqueles que se propõem a realizar o combate, sejam do setor público ou privado.

Sob meu ponto de vista há uma série de informações que me parecem não condizer com a realidade técnica sobre o assunto, e que, portanto, merecem uma revisão.

Da mesma forma que fiz com a postagem sobre a RDC 52 de 2009 vamos analisar estes pontos antes de entrarmos no assunto propriamente dito.

Este manual em seu item 2.8 questiona Se o controle químico funciona? explicando da seguinte maneira:


O que também torna os escorpiões resistentes aos venenos é o fato de possuírem o hábito de permanecer em longos períodos em abrigos naturais ou artificiais que impedem que o inseticida entre em contato com o escorpião.

Além disso, possuem capacidade de permanecer com seus estigmas pulmonares fechados por um longo período.

A aplicação de produtos químicos de higienização doméstica compostos por formaldeídos, cresóis e paracloro-benzenos e de produtos utilizados como inseticidas, raticidas, mata-baratas ou repelentes do grupo dos piretróides e organofosforados não são indicados por causarem o desalojamento dos escorpiões para locais não expostos à ação desses produtos, aumentando o risco de acidentes.

 Além disso, cria-se a falsa sensação de proteção por parte dos moradores que acreditam que o problema foi resolvido, passando a negligenciar o trato com o ambiente.

No caso da necessidade de controlar baratas em locais com presença de escorpiões, recomenda-se o uso de formulações tipo gel ou pó. Esta atividade deve ser executada somente por profissionais de empresas especializadas.

 Importante: O agente de saúde não deve realizar nem recomendar ao proprietário do imóvel a aplicação de produtos químicos”.

Em primeiro lugar não respondeu à sua própria pergunto deixando-a em aberto. De qualquer forma dizer do risco de desalojamento e falsa impressão de controle está totalmente correto.

Entretanto dizer que da repelência de piretróides e organofosforados não é bem assim, depende da formulação. Se estivermos falando de concentrados emulsionáveis concordo plenamente, mas não posso concordar com formulações de lenta liberação

Não existe nenhum trabalho que mostre a resistência dos escorpiões a qualquer tipo de princípio ativo de nenhuma classe de inseticidas.

Dizer que os estigmas respiratórios ficam fechados por muito tempo leva a crer que queiram dizer que isto dificulta o combate.

Vamos entender que tipo de combate poderia ser aplicado de maneira a que os estigmas fechados dificultariam a ação do inseticida.

Isto poderia acontecer no uso do termonebulizador cuja nevoa precisa entrar pelo sistema respiratório para exercer sua ação.

Se o escorpião estiver com os estigmas ocluídos este procedimento realmente não surtirá efeito.

Mas o uso de outros processos de desinsetização com formulações de lenta liberação com efeito residual não sofrerá nenhuma interferência dos estigmas ocluídos.

Vamos falar sobre isto mais à frente.

Dizer que o "hábito de permanecer longo tempo parado, leia-se meses, e que este hábito torna o tratamento químico ineficaz", é temeroso.

Explico. Primeiro que ele não fica meses parado, ele fica algum tempo parado para esperar  presa, para trocar  de pele, para se alimentar, mas isto não significa meses, esta informação não está correta.

Além disto  que torna o tratamento químico ineficaz também não está correta uma vez que depende da técnica usada, ou seja, formulação, técnica de aplicação, que veremos mais à frente.

Uma outra questão é o fato de incluir no rol de produtos químicos de higienização domestica para combate aos escorpiões os raticidas. Raticida é para combate aos ratos e não tem efeito de repelência, consequentemente não há desalojamento pois não haveria lógica alguma em fabricar raticidas com efeito desalojante.

No item 2.2 deste manual é dito que “cabe aos estados e municípios promoverem a organização de um programa de controle dos animais peçonhentos de importância em saúde, definindo as atribuições e responsabilidades dos setores que compreendem a vigilância em saúde, juntamente com o serviço de controle de zoonoses, núcleos de entomologia e outros centros de referência em animais peçonhentos”.

Entretanto no item 2.8 é dito que “No caso da necessidade de controlar baratas em locais com presença de escorpiões, recomenda-se o uso de formulações tipo gel ou pó. Esta atividade deve ser executada somente por profissionais de empresas especializadas”.

Então porque não incluir na competência de combate as empresas especializadas que poderiam, em muito, ajudar os municípios neste trabalho. As empresas especializadas contam com equipes muito bem preparadas para exercerem este procedimento.

Eu acredito que os municípios deveriam se unir mais a estas empresas o que resultaria em melhores ações de combate que os próprios municípios, que na maioria das vezes não tem recursos humanos e materiais para o combate aos sinantrópicos e peçonhentos.

Outra afirmação que chama atenção é dizerem que





Quando uma empresa solicita à Anvisa o registro de determinado produto são exigidos uma série de documentos que comprovem sua eficácia sobre aquele organismo que se pretende combater.

E existem inseticidas registrados para serem usados no combate aos escorpiões. Produtos nacionais com registro nacional. O existir ou não registro internacional não vem ao caso porque se fossemos usar um produto de outro país ele precisaria estar registrado na Anvisa para poder ser usado em território nacional exigindo as mesmas documentações para o registro de produto nacional.

Abaixo está um destes produtos com registro da Anvisa. Logo existe sim, produto registrado e se registrado está caracterizada sua eficácia e esta eficácia esta respaldada por experimentos confiáveis caso contrário, a Anvisa não o registraria.



Outro fato que chama atenção na assertiva dita acima é que “Até o presente momento não foi definida cientificamente a eficácia dos produtos químicos no controle escorpiônico em ambiente natural”.

Vamos entender que não queremos e nem podemos realizar o combate em ambiente natural, não é este, por força de lei, nosso ambiente de trabalho, mas sim nos ambientes antropomórficos, ou seja, aqueles criados pelo homem que em virtude de suas características acaba trazendo para junto de si organismos sinantrópicos, ou seja, aqueles que mesmo o homem não querendo eles acabam convivendo conosco nos trazendo uma série de problemas.

Não é necessário dizer sinantrópicos nocivos pois na medida em que são sinantrópicos já são por si só nocivos, diferente dos domésticos que convivem com o homem por sua vontade própria, seja, como fonte alimentar, trabalho, lazer ou companhia.

Esta questão já foi discutida em postagem anterior.

OS ESCORPIÕES

Os escorpiões existem há mais de 400 milhões de anos (fósseis do Carbonífero), sendo, portanto, considerados os aracnídeos mais antigos que se conhece.

Estão entre os primeiros animais a conquistarem o ambiente terrestre e apresentam ampla distribuição, sendo muito parecidos com os atuais.



São conhecidas cerca de 1600 espécies em todo o mundo. No Brasil, há cerca de 160 espécies.

Análises de dinâmica populacional de T. serrulatus e T. bahiensis (reprodução partenogenética), comparando taxas teóricas de reprodução, concluíram que, após a 5ª geração, existiriam em torno de trinta e três milhões de novos indivíduos.

Em razão dessa elevada prolificidade, em associação com sua toxicidade e competência invasiva para habitações humanas, a espécie T. serrulatus vem representando um enorme problema para a Saúde Pública, sendo importante o conhecimento de sua mobilidade em território urbanizado.

Respiram por meio de filotraqueias, pulmões foliares, como páginas de um livro. O ar entra por aberturas denominadas de espiráculos e nas filotraqueias (pulmões foliáceos), que são traqueias modificadas com cavidades amplas cheias de dobras, bastante vascularizadas e onde ocorrem as trocas gasosas.



O reconhecimento dos escorpiões se dá principalmente pelos seus agravos à saúde através de sua picada injetando um veneno de ação neurotóxica. A morte ocasionada por este veneno se dá pela dor.

Dentre todas as espécies três delas são as mais importantes em termos de saúde pública: Tityus bahiensis, Tityus serrulatus e Tityus stigmurus principalmente Tityus serrulatus.






Os aracnídeos (aranhas, carrapatos, ácaros, escorpiões,) possuem esqueleto externo (um exoesqueleto), uma estrutura dura, quitinosa, que reveste seu corpo, sem antenas, com quatro pares de patas torácicas e um par de palpos.



Quando atinge um tamanho se faz necessária a troca de exoesqueleto (exuvia) – a muda ou ecdise.

O animal ficará, então, com dois exoesqueletos: o velho e o novo, entretanto, o novo esqueleto permanecerá mole.

Acontece então a muda, que é o momento em que o exoesqueleto velho é eliminado.

Após a eliminação, ficará o novo e mole exoesqueleto.

A partir daí irá expandir seu corpo, utilizando ar ou água.

Quando o novo exoesqueleto endurecer, essa água e ar serão substituídos pelos tecidos do animal.



Escorpiões são animais a priori solitários, porém a limitação de micro-habitats favoráveis, pode forçá-los a tolerar a presença de outros indivíduos.

Apesar do exoesqueleto quitinoso existem inúmeros locais que não são quitinizados, indicados pelas setas vermelhas, como as articulações, pecten, pelos e principalmente os palpos e a parte lateral do metassoma.

Isto é importante porque estes locais acabam sendo susceptíveis à ação dos inseticidas principalmente os de lenta liberação, uma vez que a formulação fica aderida ao animal liberando o ativo que penetra pela epiderme causando a intoxicação sem causar efeito de desalojamento, repelência. 


ASPÉCTOS COMPORTAMENTAIS

Algumas espécies como T. bahiensis são mais gregários. No período de reprodução a maioria das espécies se torna gregário.

Normalmente vivem perto de onde nasceram, isso significa que, se eles aparecem dentro de casa, provavelmente estão nascendo dentro ou muito próximos.

Foi realizado um trabalho em cemitério de Americana, SP, de captura, marcação e recaptura num período de 359 horas, para avaliar dispersão de T. serrulatus. O cemitério foi dividido em 4 áreas.










Passam o dia sob pedras, paus podres, folhas mortas, em pequenas covas ou nos cupinzeiros, para fugir à luz do sol.

À noite, saem em busca de alimento.

São animais carnívoros e de hábitos noturnos, alimentando-se de baratas, cupins, moscas, aranhas.

Podem jejuar por tempo prolongado. Observações em cativeiro registram um jejum de até 23 meses.

T. serrulatus apresenta comportamento gregário e são capazes de se manter em jejum por 40/50 dias.

A frequência de hidratação é maior após se alimentar. Apresentam adaptação à falta de água porque seu corpo apresenta um exoesqueleto quitinizado protegendo-os da desidratação e ainda armazenam agua e evitar a perda da mesma através da superfície de seus corpos.



Em experimento de dois meses de observação as espécies dispenderam 15% de seu tempo realizando a limpeza de telson, quelíceras e pernas.

 Em outro teste com T. serrulatus, 110 horas de observação, observou-se que durante o experimento passaram:

16,47 horas do tempo explorando o ambiente

4,58 horas do tempo foi exploração com paradas

4,22 horas se limpando

79,22 horas imóveis

3,17 horas forrageando

4,71 horas se hidratando

O pico de atividade foi entre 21:00 e 23:00

PORQUE FICAM TANTO TEMPO PARADOS?

Tipo de tática de caça principal que é o “senta e espera” (catalepsia de até 6 horas)

Limpando o pecten e pelos do corpo (tricobótrias) com função sensorial (localizar presas).

Passar o télson nas quelíceras: esfregar o télson entre as quelíceras, limpando-o.

Limpar-se com o segundo par de pernas: friccionar o segundo par de pernas na parte anteroventral e lateral de seu corpo.

QUANDO TOCAM O SOLO?

Porque interessa saber isto? Primeiro porque precisamos conhecer o inimigo antes de combate-lo para que possamos desenvolver uma estratégia que tenha eficácia no combate. 

Segundo para que possamos entender qual seria o mecanismo de intoxicação e a partir daí escolher a formulação mais adequada.

Como já foi falado a formulação mais adequada é a de lenta liberação. E isto tem tudo a ver com o comportamento do escorpião ter um bom tempo em contato com o solo pois esta formulação tem alto poder residual e quando o escorpião encosta no chão fica impregnado com a formulação se intoxicando.

Durante deslocamento o pecten está sempre em contato com o solo

Quando em repouso o metassoma está enrolado e deitado ao lado do corpo e pernas recolhidas próximo ao corpo

Quando se alimentando e aos filhotes

Quando estão à espreita pela presa



Os escorpiões conseguem comer quantidades imensas de alimento, mas conseguem sobreviver com 10% da comida de que necessitam, podendo passar até um ano sem comer e consumindo pouquíssima água, quase nada.

O que eu quero dizer com isto é que a justificativa de realizar o combate às baratas é um mecanismo indireto de combate aos escorpiões não tem sentido pelo fato deles poderem ficar um tempo enorme sem se alimentar mas mantendo suas atividades normalmente.

O USO DE INSETICIDAS

Os inseticidas a serem usado são aqueles que não causem repelência pois acabam se escondendo em locais que podem aumentar o risco de acidentes.

Além disso, cria-se a falsa sensação de proteção por parte dos moradores que acreditam que o problema foi resolvido, passando a negligenciar o trato com o ambiente, conforme relata o manual do Ministério da Saúde.

O uso de inseticidas de lenta liberação são os mais indicados. Isto porque estas formulações, microencapsulado e pó molhável tem alto poder residual e o escorpião ao passar por cima dela ficando impregnado com a formulação levando-a por onde for e a formulação vai liberando lentamente o ativo que penetrando pelas partes não esclerotizadas acaba intoxicando o animal.

O uso de termonebulização (gotas de 25mm), UBV (gotas entre 25 e 50mm) ou atomizador regulado para UBV tem a vantagem de penetrar em esconderijos onde não temos acesso e isto ajuda no combate. É lógico que aí estaremos usando formulação concentrado emulsionável que tem efeito desalojante.

Mas antes que o efeito cause oclusão dos espiráculos muitos já terão sido expostos ao ativo. Por isto é interessante associar esta aplicação com o uso de formulações de lenta liberação aplicado este antes da termonebulização.

Já houveram manifestações de que haverá impregnação do inseticida da termonebulização nas formulações de lenta liberação. Isto não acontece porque as moléculas da névoa evaporam rapidamente e por esta razão não deixa residual.

Entendemos ação fumigante àquela aplicada na forma de vapor, gás, neblina e que agem através da penetração do inseticida pelos espiráculos juntamente com o ar, sendo conduzido para o interior do organismo até músculos e nervos.

Também pode atuar através de partes não esclerosadas como patas, aparelho bucal, regiões intersegmentares do corpo do escorpião.

Este efeito se manifesta pela pulverização direta sobre o inseto uma vez que esta técnica permite o inseticida se expandir no ambiente ficando neste por um determinado tempo.

Tempo este que é bastante curto pois as gotas são muito pequenas, geralmente menores de 50 mm e por esta razão evaporam muito rapidamente.

Sua vantagem reside em uma maior área de controle com menos produto, redução rápida da população infestante e penetração em locais onde não conseguimos acessar. 

OBSERVAR - CUIDAR – EVITAR - ORGANIZAR

Vigas e telhados em porões, sótãos e forros

Ralos de cozinha, banheiros e área de serviço

Móveis, cortinas, estantes, quadros, lareiras

Caixas e pontos de energia

  Armários sob pias ou gavetas

Sistema de refrigeração de ar

Locais com material de construção (pilhas de telhas e tijolos, blocos de cimento, entulho, pedras, amontoados de madeira, placas de concreto)

Caixas de gordura, canalizações de água, caixas de esgoto, de energia

Verificar atentamente onde há mato junto aos muros

Olhar dentro de calçados e roupas antes de usar

Não colocar mãos e pés dentro de buracos, montes de pedras ou lenha

Usar sempre calçados e luvas nas atividades de jardinagem

Usar telas e vedantes em portas e janelas

Usar ralos protetores

Manter limpos quintais e jardins, não acumular folhas secas e lixo domiciliar

Cuidar acúmulo de agua e ambiente úmido

Limpar terrenos baldios situados a cerca de dois metros (aceiro) das redondezas dos imóveis

Não jogar lixo em terrenos baldios

A preparação do solo para plantio pode promover o desalojamento de escorpiões de seu habitat natural (barranco, cupinzeiros, troncos de árvores abandonadas por longos períodos).

Acondicionar lixo domiciliar em recipientes apropriados e fechados, entregando para o serviço de coleta.

Objetos descartados, garrafas empilhadas, tanques, fornos de barro e barrancos, galpões, depósitos, viveiros de mudas e plantas

Remover folhagens, arbustos e trepadeiras junto às paredes externas e muros

Manter fossas sépticas bem vedadas

Rebocar paredes externas e muros para não apresentar vãos ou frestas

Vedar soleiras de portas com rolos de areia ou rodos de borracha

Reparar rodapés e assoalho soltos e colocar telas nas janelas

Telar as aberturas dos ralos, pias ou tanques

Telar aberturas de ventilação de porões e manter assoalhos calafetados

Manter todos os pontos de energia e telefone devidamente vedados